ACIDENTE VASCULAR ISQUÊMICO
O acidente vascular isquêmico encefálico (AVE) agudo continua sendo a causa mais comum de incapacidade permanente e a terceira maior causa de morte nas nações industrializadas, depois do infarto do miocárdio e câncer(4).
A neurorradiologia intervencionista é importante tanto no diagnóstico de lesões cervicais e intracranianas como no tratamento precoce de lesões arteriais que podem levar ao AVE, sejam elas localizadas na porção proximal dos troncos supra aórticos, causando sintomatologia, como o roubo da subclávia, além das lesões acometendo os vasos do pescoço ou de localização intracraniana.
Outro aspecto fundamental da neurorradiologia intervencionista é no tratamento do AVE agudo, e vem se tornando o tratamento de escolha nos casos de oclusão arterial proximal nos pacientes que preenchem os critérios de inclusão para este procedimento.
A. Tratamento endovascular do AVE agudo
A introdução do r-tPA endovenoso para o tratamento do acidente vascular isquêmico agudo encefálico na fase aguda melhorou o prognóstico dos pacientes(5). No entanto, os índices de recanalização das artérias intracranianas, em oclusões proximais, ainda são baixos com o uso do trombolítico endovenoso, com taxa de recanalização de 4,4% nas oclusões da carótida interna intracraniana distal e de 32,3% nas oclusões da artéria cerebral média proximal(6).
O tratamento endovascular do AVE agudo pode ser realizado por diversas técnicas diferentes, chegando a atingir taxas de recanalização arterial de até 88% nas oclusões arteriais proximais, com a trombectomia mecânica com uso dos stent intracranianos (stent retrievers)(7).
A seleção dos pacientes para tratamento endovascular do AVE deve seguir critérios específicos baseados na apresentação clínica, tempo de início do ictus, exames laboratoriais e de imagem, e ser feita com envolvimento do clínico, neurologista, anestesiologista e neurorradiologista intervencionista, observando-se as indicações e contraindicações dos procedimentos, assim como das medicações a serem utilizadas, incluindo o trombolítico (rTpa endovenoso e intra-arterial)(8).
Na circulação anterior, considera-se que a janela terapêutica para a trombólise mecânica pode ser estendida até o período de 6 a 8 horas. No entanto, na circulação posterior (Figura 1) este período pode ser estendido até 12 a 24 horas, considerando-se que os pacientes com oclusões nesta circulação têm prognóstico ruim e podem se beneficiar de uma intervenção endovascular tardia (Tabela 1)(8).
Tabela 1 – Os parâmetros analisados para a indicação do tratamento endovascular mecânico do acidente vascular isquêmico agudo.
Tempo de início dos sintomas |
1. 0 a 4,5 horas para o tratamento endovenoso por r-tPA |
2. 6 a 8 horas para tratamento mecânico por trombectomia na circulação anterior |
3. Até 12 horas para trombectomia mecânica na circulção posterior |
Escala do NIH de 8 a 20 |
Mismatch clínico entre a difusão e o NIH |
Sinais de infarto com hipodensidade menor que um terço da artéria cerebral média ou ASPECTS maior que 7 |
Ausência de sinais de hemorragia na tomografia computadorizada ou na ressonância magnética |
Local da oclusão pela angiotomografia: carótida interna, M1 e M2 proximal, A1 e sistema vértebro-basilar |
Área de penumbra maior que 20% na perfusão pela tomografia ou ressonância magnética |
Os exames de imagens são essenciais para confirmar o AVE, verificar sinais de infarto ou isquemia precoce, excluir a hemorragia intracraniana e localizar a oclusão arterial. Também possibilitam quantificar o déficit perfusional, ou seja, a área de penumbra, que corresponde ao tecido cerebral sob risco de infarto por isquemia. Os pacientes são beneficiados pela recanalização arterial quando o déficit perfusional é maior que 20%, porém a extensão da área de infarto e a localização da oclusão arterial são mais importantes na decisão de indicar o tratamento endovascular(7).
O exame de tomografia computadorizada, pela facilidade e rapidez de sua realização, geralmente é o primeiro método de avaliação. Em casos de dúvida em relação ao tempo preciso do início dos sintomas, o paciente é submetido ao exame de ressonância magnética, que também pode ser o método de escolha para seleção dos pacientes.
Diagnóstico:
O protocolo mais realizado para o AVC na fase aguda inclui uma tomografia sem contraste e uma angiotomografia do arco aórtico, vasos cervicais e cranianos. A perfusão também pode ser realizada, ajudando na identificação mais fidedigna da área de penumbra.
A tomografia computadorizada de crânio sem contraste pode detectar achados de isquemia aguda precoce, como o sinal da “artéria cerebral média hiperdensa” (Figura 2) (100% específico, 27% de sensibilidade e 91% de valor positivo para deterioração neurológica) e basilar hiperdensa, hipodensidades focais no parênquima encefálico, no córtex da ínsula, no núcleo lentiforme, apagamento dos sulcos encefálicos e perda da diferenciação corticomedular(9).
A sensibilidade do observador para achados de isquemia precoce no parênquima encefálico aumenta para identificação das áreas hipodensas e perda da diferenciação córticomedular com o ajuste da janela na tomografia de crânio, determinando um alto contraste das estruturas da substância branca em relação a substância cinzenta, permitindo aumento na sensibilidade de 57% para 71% na detecção das áreas comprometidas(9).
O ASPECTS na tomografia sem contraste é útil para excluir do tratamento endovascular pacientes com grande área de infarto que resultaria em baixa independência funcional do paciente com aumento na chance de hemorragia. Um ASPECTS de 0 a 4, 5 a 7 e 8 a 10, resulta em bom prognóstico (escala de Rankin modificada entre 0 e 2), respectivamente em 5%, 38,6% e 46% dos pacientes, e mortalidade de 55%, 28,9% e 19%. A hemorragia sintomática ocorre com ASPECTS mais baixos. O tempo mais curto de reperfusão é associado a melhores prognósticos nos pacientes com APECTS 8 a 10, relação também observada no grupo com ASPECTS 5 a 7, mas não nos pacientes com ASPECTS de 0 a 4(10).
Além de determinar a extensão do infarto, a tomografia de crânio sem contraste é fundamental na detecção de hemorragia intra-craniana, sendo a sensibilidade de 90% e especificidade de 99% deste método de imagem para detecção de hemorragia.
A angiotomografia de crânio identifica o local da oclusão vascular com alta sensibilidade e especificidade, 98,4% e 98,1%, respectivamente. A caracterização do local e da extensão da oclusão vascular tem correlação com a possibilidade de recanalização da oclusão e taxas de complicação relacionadas ao procedimento endovascular(11).
Para o intervencionista é importante caracterizar as oclusões proximais nos seguintes padrões: carótida intracraniana (oclusão em “T” – pior prognóstico), cerebral média (M1 proximal ou distal às lentículo-estriadas, segmento M2 proximal ou dista), cerebral anterior (segmento), carótida cervical associada a oclusão intracraniana e circulação posterior (vertebrais e basilar).
Verificada a localização da oclusão arterial através da angiotomografia, pode-se realizar a perfusão pela tomografia ou pela ressonância magnética, identificando-se então o candidato para trombólise arterial como aquele que apresenta uma área de penumbra maior que 20%(7).
Nos pacientes submetidos a ressonância magnética, o protocolo deve incluir a sequência de Difusão, FLAIR, Gradiente-Echo (detectar hemorragia) e perfusão. A imagem do sistema vascular pode ser feita através da angioressonância magnética para estimar o local da oclusão arterial.
Os pacientes com tempo indeterminado do ictus e AVE ao acordar (“wake up stroke”) devem realizar preferencialmente o exame de RM, pela sua capacidade de avaliar melhor a extensão do infarto através da sequência de difusão, o tempo de isquemia pela sequência FLAIR (>6 horas), a presença de hemorragia pela sequência T2*, a área de penumbra com a perfusão e o local da oclusão arterial pela angioressonância.
Tratamento Endovascular:
O tratamento endovascular consiste na fibrinolise química intraarterial, na trombectomia mecânica e na combinação dos dois.
Atualmente, as principais drogas fibrinolíticas utilizadas na circulação intracraniana em nosso meio são rTPA (Actilyse®) e UK (Urokinase®). A dose habitual de rTPA intra-arterial é de 0,3 mg/kg diluídos em SF por injeção lenta após recanalização mecânica do trombo. Esse volume, quando utilizado, é distribuído pré, pós e intratrombo.
Com dispositivos mecânicos para a recanalização endovascular intra-arterial temos a disposição: stents retrievers, sistema Merci de trombectomia, balão de angioplastia, sistema de aspiração penumbra.
Na nossa prática clínica, os procedimentos são realizados sob anestesia geral e a técnica utilizada é, preferencialmente, a trombectomia mecânica com stent retriever. Para a realização da trombectomia, posicionamos um microcateter distalmente ao trombo e liberamos o stent retriever recobrindo o trombo. O fluxo é reestabelecido temporariamente e após 3 a 5 minutos recuperamos o stent. Durante a remoção do trombo pode-se utilizar um cateter balão insuflado na carótida e/ou delicada aspiração contínua do cateter guia.
Os sistemas de trombectomia mecânica endovascular determinam maiores taxas de recanalização arterial no AVE, sendo que os stents retrievers têm a maior destas taxas de recanalização, atingindo o TICI 2B e 3 em 88% dos casos. O sistema Merci, no estudo Multi Merci Trial, atingiu taxas de TIMI 2 e 3 em 69,5% e o sistema penumbra no Penumbra Trial atingiu o TICI 3 em 27,2% dos pacientes.
No início do ano de 2015 estudos controlados e randomizados (MR CLEAN, ESCAPE – Endovascular Treatment for Small Core and Proximal Occlusion Ischemic Stroke, SWIFT-PRIME – Solitaire™ FR as Primary Treatment for Acute Ischemic Stroke e EXTEND-IA – Extending the Time for Thrombolysis in Emergency Neurological Deficits – Intra-Arterial) demonstram a eficácia da trombectomia mecânica no tratamento de lesões arteriais proximais no AVE agudo, firmando-se como tratamento nestes casos (3, 12-15).
O primeiro estudo foi o MR CLEAN e posteriormente o ESCAPE e o EXTEND IA, trials que foram interrompidos em favor do braço com tratamento endovascular. Vale ressaltar que estes trials utilizaram materiais de trombectomia de segunda e terceira geração, sendo os stents retrievers os mais usados. Em uma minoria dos casos foi utilizada a injeção de trombolítico intra arterial.
A recanalização após a trombólise intra-arterial pode ser classificada por diversas escalas, como a escala de Mori e a escala de TICI (escala de infarto cerebral após trombólise). A escala de Mori é dividida em subgrupos do grau 0 a grau 4 (Tabelas 2 e 3)(7).
Tabela 2 – Escala Mori de classificação de recanalização após trombólise intra-arterial na AVCI.
0 – Oclusão completa |
1 – Movimentação do trombo sem reperfusão |
2 – Recanalização parcial com reperfusão < 50% da área isquêmica |
3 – Recanalização parcial com reperfusão > 50% da área isquêmica |
4 – Recanalização completa com reperfusão |
Tabela 3 – Escala TICI (thrombolysis in Cerebral Ischemia) de classificação para recanalização após trombólise intra-arterial na AVCI.
0 – Oclusão completa |
1 – Movimentação do trombo sem reperfusão |
2a – Recanalização parcial com reperfusão < 50% |
2b – Recanalização parcial com reperfusão > 50% |
3 – Recanalização completa com reperfusão normal dos ramos distais |
Ao final do procedimento endovascular, o paciente deve ser submetido a uma tomografia de crânio sem contraste para excluir hemorragia intracraniana. Alguns aparelhos de angiografia apresentam capacidade para realizar tomografias com menor resolução que excluem achados grosseiros, como grandes hemorragias